Produzido por Amanda Tiemi Yokoyama e orientado pela Professora Dra. Solange Maria Bonaldo.
Crônicas do Reino Micelial - O Juramento da Esporulação
Nos
confins do Reino de Sinóvia, onde o vento atravessa as plantações de soja como
um sopro dourado, uma ameaça silenciosa começava a se espalhar. As vagens,
antes cheias de promessas, agora guardavam apenas grãos escurecidos e úmidos.
Os produtores chamavam de maldição, outros de praga. Mas para os curandeiros da
Guilda Agronômica da UFMT, aquilo tinha outro nome: o retorno de algo antigo,
invisível e paciente: os fungos do submundo micelial, dentre tantos, se
destacavam Moniliophthora sp. e Diaporthe ueckerae.
O
chamado veio de um produtor do norte, aflito com as perdas na colheita, o
conclave de curandeiros liderado pela druida Solange que recebeu as
preocupações dos fazendeiros. “Os grãos não se formam direito. Muitas vagens
parecem boas, mas por dentro... só podridão.” A ordem ouviu, observou os campos
e reconheceu os sintomas. Era algo que ultrapassava o simples manejo. Havia um
mistério ali, um enigma biológico que desafiava até os mais experientes.
De
volta ao laboratório, a Mestra Solange, sábia das colônias e das lâminas,
dividiu o trabalho entre seus pupilos. “Antes de combater o inimigo, devemos
conhecê-lo”, disse a professora. “Eles não se revelam à força. Precisam de um
reino para crescer, de um ambiente controlado, onde possam mostrar sua
verdadeira face.” Dessa forma, a aprendiz Amanda Tiemi ficou encarregada de
buscar o melhor meio para esses fungos principais conseguirem se desenvolver
melhor.
E
assim, sob a orientação da Mestra, Amanda Tiemi iniciou a criação dos Reinos
Miceliais, os meios de cultura. Nove combinações de substâncias seriam o palco
para o confronto entre ciência e fungo: grão-de-bico + ágar, aveia +
ágar, soja + ágar, sorgo + ágar, haste de soja + ágar,
BDA (batata-dextrose-ágar), fubá + ágar, V8 e glutamato
+ ágar. Cada mistura, cuidadosamente preparada, foi autoclavada e vertida
em placas circulares, verdadeiros mundos microscópicos.
A
alquimista da soja anotou os parâmetros de incubação: 25°C ± 2°C, luz e
escuridão alternando-se a cada doze horas. O ciclo da natureza reproduzido
dentro de um incubador. Era ali que as criaturas invisíveis seriam despertas.
Nos
primeiros dias, o crescimento micelial foi tímido, mas constante. Fios brancos,
finos e densos, se expandiam sobre o ágar como raízes buscando alimento. Amanda
Tiemi acompanhava o avanço de cada um, calculando o progresso através das runas
da AACPM, a Área Abaixo da Curva de Progresso Micelial, uma medida sagrada
entre os agrônomos, usada para quantificar o vigor do crescimento fúngico.
Os
resultados logo revelaram padrões. Os reinos de grão-de-bico + ágar e aveia +
ágar floresciam com força, nutrindo tanto Diaporthe quanto Moniliophthora.
O meio de soja + ágar mostrava-se ideal para Diaporthe, enquanto BDA e
aveia favoreciam o desenvolvimento de Moniliophthora. Cada espécie
parecia escolher seu território com precisão instintiva.
Mas
o verdadeiro desafio não era o crescimento. Era a esporulação, o nascimento das
estruturas reprodutivas que dariam continuidade ao ciclo. Sem esporos, o
Postulado de Koch, o ritual científico que comprova a patogenicidade de um
microrganismo, não poderia ser realizado. O experimento, portanto, permanecia
incompleto. A druida mestre aconselhou com paciência, “observar é um ato de
humildade. O fungo só se mostra a quem sabe esperar.”
Foi
então que Amanda Tiemi decidiu aplicar o Teste da Escuridão. Durante vinte e um
dias, manteve as culturas em total ausência de luz, com o intuito de induzir o
estresse fúngico, uma estratégia conhecida entre os micologistas como
provocação à vida. Após esse período, expôs brevemente as placas ao sol. Dias
depois, algo inesperado surgiu: pequenas torres marrons despontavam na
superfície das colônias de Moniliophthora sp.. Eram
basidiocarpos, estruturas complexas responsáveis pela formação dos basidiósporos.
Contudo,
ao analisá-los sob o microscópio, Amanda Tiemi descobriu que estavam vazios. Os
templos haviam se erguido, mas sem deuses dentro. Nenhum basidiósporo foi
gerado. O ciclo de vida interrompido.
Ainda
assim, a Mestra Solange viu sabedoria onde outros veriam fracasso. “Nem todo
silêncio é vazio”, disse. “Às vezes, o que não germina está apenas aguardando o
momento certo.”
Determinada
a tentar mais uma vez, Amanda Tiemi elaborou um novo meio: glutamato + ágar, uma
combinação rica em aminoácidos, ideal para estimular o metabolismo fúngico. O
resultado foi vigoroso. O crescimento micelial foi rápido, intenso, quase
agressivo. Diaporthe ueckerae expandiu-se com força, enquanto Moniliophthora
sp. cresceu de forma mais moderada. No entanto, novamente, a esporulação
não se manifestou. O excesso de sódio presente no glutamato monossódico parecia
ter causado o desequilíbrio da mana nutricional, impedindo o ciclo reprodutivo.
Foi
ali que Amanda Tiemi compreendeu a verdadeira lição de sua jornada: a vida
fúngica não responde à abundância, mas ao equilíbrio. Demais nutrientes podem
ser tão fatais quanto a escassez. A natureza, mesmo confinada entre o vidro e o
ágar, segue suas próprias leis.
De
volta à Guilda, Amanda Tiemi apresentou suas descobertas à Mestra Solange e aos
colegas. Os resultados mostraram que, embora a esporulação permanecesse um
mistério, havia avanço: os meios de grão-de-bico e aveia se destacavam como os
melhores para o desenvolvimento micelial; a soja e o BDA mostraram-se eficazes
para Moniliophthora sp., enquanto soja e
grão-de-bico foram os meios mais eficientes para o desenvolvimento micelial de Diaporthe
ueckerae. Assim, a importância dos fatores nutricionais e de
estresse ficou evidente como chave para a futura indução da reprodução fúngica.
Mais
do que resultados, a pesquisa trouxe entendimento. Cada colônia cultivada, cada
placa contaminada, cada medição de diâmetro foi parte de uma narrativa maior, a
história de como o invisível sustenta o visível.
Ao
encerrar seu trabalho, Amanda Tiemi escreveu no diário de laboratório:
“Aprendi
que a ciência é uma campanha sem fim. Que o micélio, ao se expandir, espelha a
curiosidade humana. E que mesmo quando não há esporos, há conhecimento
germinando.”
E
assim termina a primeira saga do Reino Micelial, a jornada de uma jovem
pesquisadora aprendiz que transformou tubos de ensaio em espadas e placas de
Petri em campos de batalha. Porque no universo da ciência, como nos grandes
jogos de RPG, não há vitória sem exploração, nem descoberta sem paciência. No
Reino Micelial, cada erro é um fragmento de verdade. E a verdade… cresce
devagar.
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Você é minha heroína! <3
ResponderExcluirQue trabalho de divulgação fantástico